Texto e fotos de Yara Falconi
O Cemitério do Peixe, vilarejo às margens do rio Paraúna, incrustado nos confins do sertão mineiro, na Serra do Espinhaço, pertence à cidade de Conceição do Mato Dentro.
Há pouco mais de um século, parentes e amigos enterrados no peixe são as almas a quem os romeiros, vindos de toda parte, prestam suas homenagens na festividade do Jubileu de São Miguel e Almas, que ocorre durante um final de semana de agosto.
Desde os idos de 1860, a crença religiosa transformou o Cemitério do Peixe em um reduto de reza, agradecimentos e devoção.
O pacato lugarejo, com uma igrejinha e um cemitério, com suas cerca de 200 casinhas de adobe e paredes caiadas, janelinhas azuis e telhados baixos, tem pouquíssimos moradores fixos e, durante o ano todo é assim que fica, com aspecto de uma cidade fantasma.
Uma das moradoras mais conhecidas é Dona Lotinha (Carlota de Oliveira Brandão) e seu filho Zezinho, sentinelas do cemitério do Peixe. Figura famosa a quem todo forasteiro quer conhecer, cumprimentar, tirar foto. Mas Dona Lotinha, sempre ocupada, séria sem perder a simpatia, não dá muita confiança pra ser fotografada.
É em um fim de semana prolongado de agosto que o cenário todo se transforma e a cidade vira uma festa. Já na quinta-feira a tarde começam a chegar os romeiros em uma profusão de carros, cavalos e pessoas chegando a pé por todos os lados.
Os romeiros, grupos de amigos, adultos, idosos, crianças e famílias inteiras vão ocupando as casinhas que ficaram vazias o ano todo. Logo na chegada já se percebe o capricho, uma demão de cal é reforçada nas paredes das fachadas e nas de dentro das casas, o cheiro de café coado se sente de longe.
E é um vai e vem, um “bom dia” daqui um “-como vai a senhora?” de lá, e aquela intimidade gostosa de quem vai pra lá todos os anos começa a se ajeitar para a festividade e para os reencontros.
Os romeiros levam tudo aquilo de precisam para passarem os 3 ou quatro dias: de panela à colchão, de cadeira à mesa. Utensílios e mantimentos chegam carregados nos ombros e debaixo dos braços de quem ruma a pé atravessando o rio, ou a cavalo chegando de toda parte.
Há aqueles que não arranjaram casa, ou a casa é pequena para caber todos os parentes e amigos e acampam em barracas ao longo do caminho entre o arraial e rio.
O rio que serve de estrada de chegada para alguns, também serve de diversão para as crianças e até de local para se tomar banho.
A noite cai e alguns bares que não existiam antes se aprumam, tem um forrozinho improvisado, música alta, vendedores de balões, brinquedinhos coloridos, banquinhas de jogos de azar inofensivos que prometem brindes, e boa parte dos romeiros se dirige para a chamada Rua do Fogo, que de religiosa não tem nada.
Mas o motivo maior que convoca todas essas pessoas é a visita ao cemitério e a celebração do Jubileu de São Miguel e Almas.
Com um calendário extenso de atividades, todos honram seus mortos no cemitério em frente à igrejinha e se preparam para a Alvorada, a missa de abertura, a hora da confissão, a procissão, a cavalgada e a missa de encerramento, marcados pelos pedidos, agradecimentos, joelhos no chão e sorrisos de dever cumprido com a fé ali professada.
A egrégora: a noite cai, e a iluminação das velas do cemitério dão um ar sagrado ao redor da Igreja de São Miguel Arcanjo e Almas.
A cidadezinha está repleta. É lindo de ver.
Curiosamente, a origem do nome “Cemitério do Peixe” traz algumas versões diferentes e igualmente curiosas:
Há quem conte que na época da exploração do diamante na região, a Coroa Portuguesa colocou um posto policial na beira do Rio Paraúna e, num dado momento, faltou comida. Diz-se que os policiais comeram peixes deteriorados, causando a morte de alguns deles que ali foram enterrados, inaugurando então, o cemitério.Uma outra versão da história conta que um escravizado apelidado de Peixe foi morto ao ser encontrado com um diamante e lá foi enterrado, iniciando-se ali, local de sepultamento.