Os apanhadores de flores sempre-vivas habitam o sul da Serra do Espinhaço, entre as cidades mineiras de Diamantina, Presidente Kubitschek, Buenópolis, e se estende por mais algumas dezenas de municípios da porção meridional da cadeia montanhosa conhecida pelos habitantes da região como Serra de Minas ou Serra Mineira. O nome “sempre-vivas” faz referência às espécies características do bioma cerrado.
Conhecedores da fauna e da flora locais, os apanhadores de flores sempre-vivas desenvolvem há séculos uma relação com o território que transcende a noção de propriedade à qual estamos habituados. Isso porque essas comunidades tradicionais agroextrativistas, como explica a pesquisadora Fernanda Monteiro, da Universidade de São Paulo – USP, “[…] são descendentes dos indígenas que ocupavam a região, dos africanos que aqui foram escravizados e dos portugueses. Essas comunidades rurais, que se autodenominam ‘apanhadores de flores sempre-vivas’, têm uma identidade territorial e expressam um modo de vida em que combinam esses ambientes”.
Inseridos em um regime agrário de uso comunitário das terras em que o laço de parentesco é a principal referência para o direito de uso, os grupos familiares desenvolvem o plantio e a pecuária de maneira coletiva e organizada, de acordo com as estações do ano. Na época das chuvas, os apanhadores de sempre-vivas fazem a coleta das plantas no pé da serra. Nos meses mais secos, sobem o morro, a mais de mil metros de altitude, para encontrar as flores, e é justamente nesse momento, no alto da serra, que as diferentes comunidades se encontram. Durante esse período, que dura de um a três meses, suas moradias passam a ser as lapas ou os ranchos. Além das flores, são apanhados botões, cipós, folhas, sementes e frutos secos, destinadas ao mercado de plantas ornamentais.
O modo de vida dos apanhadores de flores sempre-vivas foi, em 2020, o primeiro a ser reconhecido no Brasil como Patrimônio Agrícola Mundial. A candidatura brasileira do Sistema Agrícola Tradicional dos Apanhadores de Flores Sempre-vivas (SAT – Sempre-vivas) ao programa de reconhecimento de Sistemas Importantes do Patrimônio Agrícola Mundial (SIPAM) da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO-ONU), ocorreu em junho de 2018, por ocasião do I Festival dos Apanhadores e Apanhadoras de Sempre-vivas, que aconteceu na cidade de Diamantina, organizado pela Comissão em Defesa dos Direitos das Comunidades Extrativistas (Codecex) e em parceria com diversos núcleos de estudos das universidades públicas do entorno. Esse programa, criado em 2002, nasceu com o intuito principal de fortalecer e preservar patrimônios agrícolas mundiais que combinam a biodiversidade agrícola com um valioso legado cultural e com ecossistemas resistentes.
A garantia do modo de vida e a salvaguarda do SAT Sempre-vivas figuram como a luta primordial dessas comunidades, que esperavam obter maior respaldo dos governos municipais e estaduais após o reconhecimento pela ONU, mas que, além disso, há anos exigem medidas que possibilitem a permanência e a reprodução da vida no território em que nasceram e aprenderam a viver.
Em carta política escrita para apresentar o Festival de 2018, as lideranças explicitaram os desafios enfrentados por essas comunidades após a criação e a implantação ilegal de Unidades de Conservação (UCs) de Proteção Integral, nos âmbitos estadual e federal, cobrindo os territórios das comunidades apanhadoras de flores sempre-vivas que, como afirmam, acabaram por criar “um mosaico de exclusão social e violação de direitos humanos, gerando conflitos socioambientais sem precedentes na região”.
Além das UCs de Proteção Integral, a implantação do monocultivo de eucalipto e a ação de empresas mineradoras representam graves ameaças à reprodução do modo de vida dessas comunidades.